Testemunho Ateu, por Edson Júnior

Este belo texto encontrei em um site. Espero que ele ajude a eliminar o preconceito ainda insistente contra os ateus, que são gente boa que apenas não quer se iludir com aquilo que não tem comprovação real. Recomendo a leitura atenciosa. O autor do texto aparece na foto.

Peço licença ao Edson para publicar aqui o seu texto. É importante que ele seja lido por mais pessoas.

Testemunho ateu

Por Edson Júnior - Publicado no site Bar do Ateu

O tema por si só já impacta. Aliás, a palavra - ateu - tem um peso fonético e moral que paralisa e mantém o silêncio por alguns segundos.  Ateu. Repita consigo: - Ateu, ateu. Dá medo né?  A simples pronúncia já repercute em uma inquietação interna. Parece arriscado demais pensar sobre, quanto mais dizer. Até pra nós ateus é assim.

Quando me descobri ateu, por volta de 2010, também sentia medo de pronunciar a palavra. Eu falava e me enfiava debaixo do cobertor. Se deus viesse em casa ele não ia me achar. Parecia que sempre estive no caminho certo e que a partir daquele momento decidia que deveria correr pelo lado errado, conscientemente. - Estou voltando a ser macaco, é isso? Até achava que estava evoluindo mas os outros me faziam pensar que eu entrava mesmo era em retrocesso. Tudo nessa composição de apenas 4 letras leva ao confronto, seja de ideais, de crenças, de costumes ou de relações. Tudo o que envolve este tema gera um conflito perigoso, um conflito que parece requerer audácia demais para levá-lo adiante.

 Digo que me descobri ateu por que não houve um momento em que isso ficou claramente definido:

-Hoje deixarei de acreditar em deus por que quero. Ponto.

Não funciona desse jeito. Não existiu um dia de batismo onde me consagrei ateu e um cara que não tinha alma me afundou na água dizendo:

-Agora te vira. Apenas aconteceu.

Me denominei ateu a partir do período em que comecei a perceber que não precisava mais de intervenções cósmicas, orações, velas, chás ou ajuda de qualquer que fosse a divindade.

Percebi que estava por conta, sozinho, e a partir daí tomei atitudes para me adaptar a isso. Ou melhor, me readaptar. Desde pequeno somos informados sobre toda a existência do pós morte, imortalidade da alma, amor eterno, paraíso, inferno, destino, carma...entre outros costumes. Então, de repente, me vi sem tudo isso. Apenas órgãos funcionando e determinando quanto tempo eu ainda tinha para continuar seguindo em frente. Órgãos que, espero, funcionar por bastante tempo, principalmente o cérebro.

Estava eu, agora, mantido não mais pelo destino mas, pelo acaso. Sem problemas também, tudo é uma questão de tempo até nos adequarmos pois esse não é o pior dos problemas. A falta de informação e talvez até o preconceito, tornam o processo de ser ateu um tanto mais ardiloso.

Infelizmente ainda existe uma boa parte de pessoas (E quando digo boa, é boa pra cacete, uma booooaaa parte, uma 25-de-março-no-natal parte de pessoas) que ainda define a moral de alguém com base nas suas crenças...Ou na falta delas.

Muitos filmes ainda posicionam o ateu como o cara ruim da história (Exemplo do filme “Deus não está morto” que mostra um ateu super filho da puta - Não encontrei palavra melhor -). Reportagens de TV abordam o ateísmo em forma de suspense e uma grande parte da população ainda diz que quem não tem deus no coração é capaz de fazer qualquer coisa.

Embora eu acredite que a existência de uma doutrina religiosa possa frear alguma atitude desumana através do medo, do arrependimento ou da reflexão, posso garantir que o ensinamento de berço, os bons costumes familiares e o seu estado moral tem, individualmente ou em conjunto, o total poder de definir e colaborar com boas atitudes, independente de sua crença...Ou, mais uma vez, da falta dela.

Sempre tive medo de me denominar ateu pois ainda existe esse julgamento por parte dos que não são:

- Ateus são pessoas sem amor próprio, com cabeça fraca, ignorantes, irracionalmente racionais demais, só usam o orgulho e a razão e não tem sentimentos.

Sentimento é o que mais temos, apenas não fazemos propaganda deles. Aliás, até hoje ainda tenho certo receio de me expor. Fico com medo do que as pessoas pensarão de mim. Temo pela minha carreira. E se as pessoas não forem mais me assistir porque sou ateu? - Pode acontecer. Penso eu as vezes. Mas mesmo assim achei importante dar este passo pois como eu existem milhares de ateus no armário (Posso dividir este termo com os gays? Ok, obrigado!) e acredito que possam estar passando pela mesma situação que a minha.

Não somos diferentes, não somos piores nem melhores do que alguém. Somo iguais, apenas não compartilhamos a mesma crença. Não é porque sou ateu que não posso ser um bom pai, um bom chefe, um bom marido. Somos até capazes de termos sentimentos profundos, sabia? Eu chorei como uma menina em “Cartas para Julieta” (Se meu pai me visse me mandaria tirar o vestido), torci comovido por Gabriela Andersen na maratona de Barcelona em 92. Ah! Também sofri demais com a morte do Senna. Essa, até ateu que não tem coração sentiu ele saltar pela boca. Monto minha árvore de natal todos os anos e adoro ver ela pronta. As vezes passo horas abraçado com a minha mulher só observando a tranquilidade das luzes que acendem e apagam (Confesso que dependendo de onde as compramos elas simplesmente apagam e assim ficam.).

Não perdi a vocação de amar as coisas, as atitudes e as pessoas. Isso me foi passado quando criança por meus pais e cultivar este hábito independe de ações externas. É uma coisa minha comigo mesmo.

Em 2010 perdi minha alma (Macabro isso!) mas não perdi a capacidade de amar, de me comover, de sorrir e fazer sorrir. Aprendi a ter esperança. E principalmente aprendi a acreditar mais nas pessoas.

- Mas as pessoas nos decepcionam muito, querido. Sim.

Eu também sei decepcionar mas nem por isso parei de acreditar em mim. Só pedimos que nos respeitem e nos tratem como qualquer outra pessoa. Se sou ateu foi porque deus quis assim pois nada acontece sem que ele saiba.

Obrigado!

(Edson Junior é comediante, redator e ateu, sempre que consegue.)

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